2004-01-06

Comunicação de S. Exa. o Presidente da República ao País


Palácio de Belém 05 de Janeiro de 2004


No ano que agora terminou, entendi ter pública intervenção nos temas do chamado processo da Casa Pia sempre que esteve em causa assegurar, como compete ao Presidente da República, o adequado funcionamento do Estado de Direito, sobretudo no que respeita aos direitos quer das vítimas, quer dos arguidos.
Não se tratou - e nem de outro modo poderia ser - de emitir quaisquer juízos sobre a culpa ou a inocência de quem quer que seja, ou de interferir, por qualquer forma, na marcha do processo.

Acontece é que foi a marcha do processo, ou melhor dizendo, a sua ilegítima divulgação, que veio interferir com o Chefe do Estado e o respeito que lhe é devido.

E isto porque, no passado dia 1 de Janeiro, um jornal de referência, aliás o único que se publicava nesse dia, deu nota, com grande destaque, e em violação do segredo de Justiça, da existência, no mesmo processo, de uma carta anónima, em que é insultuosamente envolvido o Presidente da República, com o alarido mediático a que a notícia veio a dar lugar.

Trata-se de crimes que terão de ser punidos, na sede e momento próprios, pois não é legítimo que o Chefe do Estado deixe passar em claro ofensas que têm as mais graves consequências no respeito e consideração que são devidas ao Presidente da República.

Mas a questão essencial, aqui e agora, no que respeita ao regular funcionamento das instituições que me compete garantir, não é, obviamente, a defesa da honra e reputação do Chefe do Estado; tão pouco se trata da indispensabilidade de serem emitidas instruções, por quem de direito, que, no estrito respeito da lei, evitem, no futuro, inúteis e sempre irreparáveis lesões do bom nome e reputação das pessoas.

Decisivo para o Estado de Direito e para a enorme dívida que a comunidade tem para com as crianças da Casa Pia, é, sim, que sejam criadas, de imediato, condições para que a acusação já proferida e as provas que a acompanhem possam vir a ser apreciadas por aquilo que elas valham - repito, por aquilo que elas valham -, e não pelos erros procedimentais, sejam da Acusação, sejam da Defesa, ou mesmo de magistrados judiciais.

E isto na medida em que tais erros, se enfraquecem a credibilidade técnica dos seus responsáveis, podem em nada interferir com a verdade ou a falsidade das culpas imputadas aos arguidos.

Ora a sistemática violação do segredo de Justiça e a confrontação mediática dos vários operadores judiciários - actuem, ou não, com a respectiva veste institucional - a esgrimir razões e contrarazões, a propósito de tudo e nada que se relacione com o chamado processo da Casa Pia, são um risco demasiado grave para um apuramento genuíno de responsabilidades, que se impõe pôr-lhe cobro.

Por isso, mais do que proclamar a minha confiança no esforço que é exigido às autoridades judiciárias para que façam respeitar a lei e reprimir as suas violações, faço um apelo veemente ao sentido de cidadania dos profissionais da comunicação social e dos agentes da Justiça, para que passem a actuar com a maior contenção e a maior reserva, no estrito limite do dever de informar e de dar informação, e assim contribuam para que os tribunais possam fazer aquilo que só a eles compete - administrar Justiça.

É essa Justiça que devemos aos arguidos; e, sobretudo, às vítimas, para que a reboque de habilidosas estratégias ou de irregularidades instrumentais, não lhes seja feita essa última e intolerável injúria que seria condenar inocentes ou absolver culpados.

E isso, sim, importa tudo ao Estado de Direito que tenho o dever de garantir e sem o qual ficam em risco as instituições da República e o seu funcionamento.

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