2004-08-05

Liberalização dos produtos agrícolas



É cheio de dúvidas que leio a carta de intenções do organização mundial do comércio sobre a liberalização do comércio de produtos agrícolas e seus benefícios para os países em vias de desenvolvimento.

A história é repleta de exemplos de ausência de barreiras ao comércio de produtos agrícolas países menos desenvolvidos e países industrializados. Lembro-me dos períodos coloniais, ou de qualquer outra forma de dominação, em que a liberalização entre as colónias e as metrópoles foram realidades. O resultado foi sempre a monocultura em grandes áreas, acompanhada por exploração da mão-de-obra, destruição de ecossistemas e alheamento das populações das regiões com menor produtividade. As populações que dependem de estruturas produtivas deste tipo vivem ao sabor da turbulência dos mercados internacionais, sem o efeito moderador da diversificação produtiva.

A liberalização do comércio tem provocado não só especialização, mas também a pulverização geográfica da linha de produção. Nos produtos alimentares podemos esperar o mesmo. Com a crescente incorporação de tecnologia, marketing e de serviços nos produtos alimentares, maiores serão as oportunidades para deslocalizar para os países em desenvolvimento as tarefas com menor margem, centralizando a criação de valor nos países desenvolvidos. O preço final do produto alimentar incorpora o preço da semente, da máquina, do petróleo, da investigação, da luta contra as pragas, do transporte, da publicidade, da embalagem, da transformação, da margem da distribuição. Nele a percentagem para a mão-de-obra do trabalhador agrícola é ridícula. É pouco o valor que permanece no país produtor.

E mesmo pequenos, os ganhos da abertura ao comércio não são igualmente distribuídos pelas populações, havendo até sectores dos países em desenvolvimento, à partida globalmente beneficiados, que perderão. Em países com os direitos de propriedade estão pouco ou nada constituídos, com estruturas de poder político frágeis e nada democráticas, a probabilidade da rapina e do saque é elevada. Iremos assistir à expulsão de populações inteiras, à corrupção, ao desrespeito pelos direitos constituídos pelo uso e tradição... A história é rica em exemplos semelhantes.

De qualquer modo, fico feliz como o nosso vizinho JPT no Ma-Schamba, o pouco que ganharão é sempre melhor perspectiva que este nada que sobra, agora, nas mãos dos africanos.

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