2003-08-05

Até à Peneda


Ainda há pouco sem saber de início... enveredei pela descoberta de mais um universo paralelo do que se chamava, no longínquo politiquês do passado século XX, Portugal Profundo.

(Passa a observação de que XX é vinte e não porno - ou talvez tenha sido porno, o último dos séculos porno, que agora no seu final canta no seu estertor, a sua morte. canta não! geme...)

De caminho a Melgaço pela nacional 13 vindo de Caminha e passando mesmo junto de Monção, vira-se algures à direita e fazem-se 22Km em direcção à Peneda, à fronteira do parque. Magnífica transmutação, surpreendente variação suave, esparsando as feridas humanas marcadas na pedra. Ou, no topo, perto dele, os pastos o lado nómada da transumância pastoril... ainda viva.

De caminho, curvamos e contracurvamos por dois vales contíguos, ligados por uma ponte junto à azenha, tornada inútil pelo século vinte. O Tardio, chegado àqueles caminhos há quatro décadas, não mais. A azenha tão sem uso vislumbrámo-la uma ruína. Não parámos o automóvel, não bebemos a alma do ribeiro que passa no fundo - talvez límpido imagino - ficou do quadro a ligeira impressão. Entre a curva e contracurva, a próxima pequena ou grande maison, telhado mais ou menos inclinado, alcandorada se a topografia da courela assim o permite. Na densidade dos caules, donde brotam o verde do milho e da vinha adivinham-se as mãos que trabalham, presentes e permanentes escravos da paisagem.

O que realmente fica é a paisagem o relance para quem passa preguiçosamente com o fito no parque, na Serra. O olhar parasita das mãos dos outros, sedento do verde denso do vale, prenúncio do topo do mundo. Da amplitude de olhar lá do cimo reduzindo o nativo a miniatura de gente, pequeno bichinho hiperactivo, formiguita construtora de paisagens, para gáudio dos olhos mortais, não de gelo, mas de inocente curiosidade de antropólogo amador carregado de teorias incompletas.

Subiu-se muito até ao topo. E as mãos que trabalharam a paisagem do vale são agora os pés que batem os pastos, dos cascos das vacas que os seguem. Os pastos e as árvores e os raros caminhos. Raros são os rasgos na serra, os abrigos de pastor que de tão baixos, feitos à terra, mostram vergonha de não ruírem. Agacham-se escondidos entre dois penedos e um tufo de fetos.

Para manter o mistério o nevoeiro desceu sobre a serra, a cacimba molhava distraída o viajante, o turista de acaso.

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