Cara Sónia,
Sempre que certos assuntos me assaltam torno-me estranhamente místico. Sinto o que sempre senti quando passo por escadas sem corrimão, varandas periclitantes ou quaisquer outras passagens elevadas sem a segurança de uma qualquer guarda a que possa deitar a mão: vertigens.
E um dos temas mais vertiginosos é a fé.
As palavras que me surgem mais adequadas são aquelas usadas por alguém profundamente crente.
Tive a tentação (lá está!) de começar por dizer que a fé um grande MISTÉRIO... Tenho de desfazer esta aura de encanto que envolve a expressão. Que, admitemos, convida-nos a aceitar acriticamente qualquer verdade, num doce sono de morfeu no seio da penumbra cálida do GRANDE MISTÉRIO... É tentador...
A busca da verdade, a critica, a dúvida sistemática, a prova, a observação, todo o corpo da ciência assenta sobre pequenas fés... A fé de que o método permita aceder à verdade, a fé de que a medição não influencie o resultado, a fé que a lógica seja o filtro adequado da pensamento... Todo o corpo dedutivo de conhecimento resulta de um núcleo duro de proposições não comprováveis, que são verdadeiras por definição... Depois de séculos de esforços na luta pela objectividade pela positividade - ironia - resta-nos a consolação que baseamos o nosso conhecimento em axiomas, por definição não falsificáveis. A fé...
Não é em vão, penso, que se pergunta... Mas a distância entre os abençoados que "crêem sem ver" e estes estranhos seres de cabeça crítica é bem menor que esses abismos que tanto me vertiginavam à força de os imaginar.
Enfim, tenho fé na verdade,
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