2004-02-24

Aborto - a lei


Os movimentos pró-vida recusam o aborto por não ser ético nem sequer necessário. Vêem o acto de abortar não só como eticamente criticável, mas também sem qualquer justificação prática. Centram assim a responsabilidade nas pessoas que contribuem directamente para o acto - a grávida e a abortadeira. Se os actuais métodos de planeamento familiar tornaram obsoleto o aborto, não só é condenável fazê-lo como é fácil evitá-lo. Esta é uma afirmação surpreendente vinda de quem vem, pois assume implicitamente que o aborto, apesar de obsoleto, é, ou foi, um método contraceptivo.

Em países sem Planeamento Familiar generalizado e acessível, o aborto é uma necessidade, logo, mesmo que condenável, será justificável por razões práticas. Como há margens de insucesso, em todos os contraceptivos, o aborto é necessário sempre que os restantes métodos falhem. Penso que não será esta a tese do movimento pró-vida.

Por outro lado o movimento a favor da liberalização do aborto exacerba o controlo feminino sobre o seu corpo, acima de quaisquer outros valores. Noutras situações as mesmas pessoas considerariam inalienáveis os valores que sacrificam à liberdade de decisão feminina.

O direito à vida é um dos pressupostos fundadores da ética ocidental, em particular, na sua vertente democrática e liberal e um forte argumento a favor da penalização do aborto. Está em causa a vida de um ser humano. Mais, está em causa a vida de uma criança que, se considera uma obrigação pública, defender. Pública no sentido de ser uma obrigação de todos, podendo ser esta exercida pelo Estado ou noutra forma institucional qualquer.

As fragilidades da perspectiva penalista surgem quando deixamos o mundo dos grandes princípios e começamos a pensar na sua aplicação. A Lei tem sempre uma faceta coerciva. Um comportamento voluntariamente seguido por todos, não entra no campo do Direito, mas sim da Sociologia, da Cultura e da Psicologia. Para a negação do aborto ter força de Lei, precisa dum instrumento coercivo que a faça cumprir, com eficácia. O aborto para ser proibido tem de ser necessariamente penalizado.

A situação actual é uma autêntica roleta russa. De quando em vez, não muito frequentemente, sai o prémio a umas quantas desgraçadas, grávidas, sem meios para passar uns dias em Badajoz, Tui ou Zamora.

Pergunto-me se estes raides totalmente aleatórios terão, pelo menos, algum efeito dissuasor nas mulheres que equacionem um eventual aborto. Pergunto-me quantos abortos se evitaram com a presente lei e a sua aplicação.

Ver a ética como a adesão total a um conjunto de regras de conduta, torna o problema do aborto, uma questão infindável, sem perspectiva de uma solução generalizadamente aceite. Dizer que sim pela liberdade do uso do corpo, um direito indiscutível, penso; ou dizer que não pelo direito à vida; é não contribuir para a solução é sim aprofundar e fazer persistir o problema.

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