2004-02-19

Uma posta do Filipe lembrou-me um dos maiores desafios da actualidade – a confrontação entre valores e direitos contraditórios:

O que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal.

O conceito de família fragmentou-se nos últimos 30 anos. Desconheço qual o padrão de família que o Filipe evoca como “família normal”. Não será, julgo, a família de pai trabalhador, mãe dona de casa e quatro ou cinco filhos em redor. A realidade portuguesa pouco tem a ver com os filmes Disney dos anos 50, com a Casa da Pradaria e, muito menos, com o Bonanza. A grande maioria das famílias actuais, em idade reprodutiva, vive num T2 nos subúrbios, máximo um filho, porque dois já é uma loucura. Os pais podem ter-se divorciado e a criança viver com a mãe, o padrasto e talvez um meio-irmão. Ou os pais juntaram os trapinhos, não pensam sequer em casar.

Ter filhos, por razões de biologia, liga-se muito estreitamente à sexualidade. Por razões de sobrevivência à economia. Por motivos de socialização à família. E cada uma destas dimensões da vida das pessoas liga-se com as outras todas. E todas elas mudaram, são diferentes. Diferentes do que foram e diferentes de pessoa para pessoa.

Não contesto que as crianças tenham direito a uma família normal. Só não sei o que é uma família normal. Será uma família média, essa monstruosidade estatística? Será a família mais frequente? Será um conjunto de meia dúzia de formatos aceitáveis entre os outros todos perigosamente minoritários?

O critério de normalidade da família para decisão de adopção é, no mínimo, intratável, questionável e tendencialmente injusto. Pior! A decisão de aceitar um adoptante é sempre um risco que se corre, mas substituir esse risco por falsas seguranças não é solução.

Que tal em vez de pensar em termos de normalidade da família, lembrar-mo-nos verdadeiramente dos interesses da criança, que é melhorar a sua vida, ter oportunidades, ser feliz. A criança terá direito a uma vida saudável.

E temos outras crianças cuja família é família nenhuma. E todas têm o direito de ter uma família saudável.

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