2004-03-13

Tal como o governo espanhol, prefiro que a autoria dos atentados de Madrid seja da ETA. A alternativa é demasiado assustadora.

Pensando unicamente nos interesses imediatos do país onde nasci, da cidade onde vivo, da segurança dos meus vizinhos, da família e amigos, da minha integridade pessoal, prefiro de longe a ETA.

O impacto psicológico, político e social de um atentado fundamentalista islâmico na capital de um dos dois aliados ibéricos da guerra ao terrorismo de Bush é preocupante para a segurança e paz do nosso quintal. A própria europa no seu todo sentirá as ondas de impacto das explosões de 11 de Março, na hipótese islâmica. Pense-se no peso das comunidades imigrantes muçulmanos na Europa e uma vaga de xenofobia e de anti-islamismo é muito provável.

Se me fosse possível escolher, prefereria fechar os olhos com força, tapar aos ouvidos com as mãos e repetir até a exaustão a ladainha:
"A culpa é da ETA"
"A culpa é da ETA"
"A culpa é da ETA"
"A culpa é da ETA"


Os neo-conservadores e a sua visão hiper-simplificadora da realidade. Pretendem alterar o panorama através do discurso delimitador de fronteiras rígidas entre nós e os outros, o claro e o escuro, entre o bem absoluto e o mal absoluto. Este discurso securitário, claro e apelativo, de tanto ser repetido, toldou o olhar e apressou a conclusão de quem o profere. Ideologizou a defesa do interesse do povo espanhol. Estruturada em torno da guerra ao terrorismo a visão neo-conservadora do mundo deturpou-se. Perdida a capacidade de leitura do mundo, tornou-se como um corpo rígido sob a acção de forças contrárias, imóvel até cair ou quebrar. O governo espanhol foi, pela segunda vez, incapaz de reagir à surpresa, ao acontecimento que foge do paradigma e ao cenário antecipado.

A imputação da culpa à ETA, com base em pressupostos, perspectivas e desejos, sem provas factuais, é de uma fraca compreensão do Estado de Direito, porque julga com base em intenções e presuspostos. É uma irresponsabilidade política porque fractura, para gerações, a sociedade espanhola.

Fazê-lo com base em cálculos eleitorais é indesculpável.

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